domingo, 28 de fevereiro de 2016

LEITURAS 2016 - VIII - "ERNESTINA" - J. RENTES DE CARVALHO


Os Holandeses sempre foram um povo que me despertou alguma atenção e curiosidade e terá sido certamente esse o motivo que, na altura (já lá vão uns anos), me empurrou para a leitura do livro "COM OS HOLANDESES" através do qual descobri um grande escritor português, que era para mim, até à altura, um completo desconhecido. 

Depois de ter lido aquele excelente livro é sempre com alguma expectativa que começo a ler outro do autor.  "ERNESTINA" foi o que acabei agora de ler, e mais uma vez não me desiludiu; é como que uma viagem à nossa infância, aos primeiros tempos da nossa vida, tempos que à medida que os anos vão passando mais vamos recordando com saudade, e talvez até com alguma amargura, sentindo os cheiros, vendo a escola, os amigos, as ruas, as pessoas, os largos, os muros, as árvores, enfim, toda aquela nuvem que nos invade quando ("sonhando") recuamos no tempo.  

ERNESTINA é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de família ficcionadas. É um retrato de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda (J.Rentes de Carvalho vive há quase ou mais de meio século na Holanda, actualmente entre cá e lá). 

Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela J. Rentes de Carvalho disse (como a maioria de nós poderíamos também dizer das nossas mães): "Mãe de um só filho, a sua vida, que foi de uma tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muito fortes os laços que a ela me prendem".

Gostei


José Rentes de Carvalho - Vila Nova de Gaia 1930

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

ROSTO CONHECIDO, OBRA DESCONHECIDA


No post anterior falei da situação curiosa em que me cruzei em Lisboa, na Estação do Rossio, com o pintor da noite, o misterioso Arnaldo Ferreira, quando este levava na mão (ao alto) o busto com o rosto de um português notável e perguntava (cara a cara) aos transeuntes, num tom que amedrontava, se sabiam quem era a personagem...

Era o Alexandre Herculano, um escritor que, penso eu, a sua figura e imagem será muito mais conhecida do que a sua obra. 

Pois desde essa altura que fiquei com a imagem (e o semblante pesado) deste notável português, bem presente. Contudo, confesso que até hoje nunca ousei ler um livro dele pois, ao relembrar o seu semblante sério, fiquei, não sei porquê, com a sensação de que será um escritor de leitura pesada e difícil.

"Estamos pobres, somos ignorantes, vivemos na corrupção e no aviltamento"-escreve Alexandre Herculano, em 1851, em editorial no jornal "O País".

Participa na redacção do 1º. Código Civil Português (1860-1865), propondo o casamento civil como alternativa ao casamento religioso, o que provoca acessa polémica com o Clero.

Poeta, romancista, historiador, bibliotecário, ensaísta e polemista, Herculano é, sem dúvida, a par de Garrett, a grande figura fundadora do Romantismo em Portugal, e uma grande figura nacional.

Alexandre Herculano  -   1810 - 1877


domingo, 21 de fevereiro de 2016

MEMÓRIAS LONGÍNQUAS DA BAIXA DE LISBOA

Arnaldo de Benavente Ferreira, o pintor da noite (1923-2000)
Foi há muitos anos, trabalhava eu na Baixa de Lisboa, na zona do Rossio, teria talvez uns quinze anos e lembro-me de ver, como se fosse hoje, nas suas deambulações diárias, sempre em passo apressado, rumo à Brasileira do Chiado, parando na Pastelaria Bénard e na Livraria Bertrand e aproveitando para alcunhar de calões todos com quem se cruzava, um homem alto, bem vestido, (vi-o algumas vezes de fraque) e flor branca na lapela. 

Num certo dia, em que, em vez do habitual bouquet de flores que costumava levar consigo, vejo-o, junto à Estação do Rossio, com um busto em madeira do poeta, romancista e historiador Alexandre Herculano, a dirigir-se às pessoas que por ali passavam e colocava-lhes o busto à frente da cara perguntando-lhes em voz alta mas nem sempre bem audível: -não sabes quem é pois não? ignorantes, canalhas, claro que não sabem nada, mas se fosse o Eusébio sabiam de certeza absoluta, cambada de ignorantes; e assim, clamando impropérios, seguia em passo apressado. Conservo perfeitamente na memória a imagem daquele homem alto, falando tão alto e tão ameaçadoramente que por vezes chegava a assustar quem, calma e distraidamente, seguia no seu caminho.    




Nunca mais esqueci aquele personagem gigante, embora não tivesse certamente mais de 1,75. Era o Arnaldo, sempre impecavelmente vestido de negro, sapatos de verniz reluzentes, cabelo bem penteado para trás com brilhantina e a quem chamavam o pintor da noite, ou o sempre noivo. Dizia-se que teria enlouquecido quando a sua noiva morreu uns dias antes do casamento (também corria a história de que a noiva não teria aparecido no dia da boda). 
As suas deambulações pela baixa de Lisboa fazia-as durante o dia já que à noite ficava sempre em casa a pintar - pintava na sua maioria os bairros e as zonas mais características da Lisboa nocturna, sem vivalma.

Sei que o Museu da Cidade tem quadros seus e que, em 2005, foi homenageado pela Câmara Municipal de Lisboa com a Medalha de Mérito Municipal.
Na alta de Lisboa existe uma rua com o seu nome. 

A última vez que o vi foi num eléctrico, quando este "amarelo" ainda circulava na Baixa de Lisboa.





terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

LEITURAS 2016 - VII - "PRIMEIRA PESSOA" - PEDRO MEXIA


Não o conheço pessoalmente mas gosto de Pedro Mexia, especialmente do que escreve, sejam livros, sejam crónicas em jornais ou revistas, e este "PRIMEIRA PESSOA", que reúne as crónicas publicadas na (creio que extinta) revista Grande Reportagem entre Novembro de 2003 e Dezembro de 2005, foi outro dos seus livros de que gostei. Pedro Mexia parece-me um dos jornalistas mais honestos intelectualmente que conheço e estas crónicas, que assumem, muitas delas, confissões íntimas, parecem comprovar isso mesmo.

Gosto especialmente das suas observações sobre livros e sobre escritores:  

-"Os livros são possessivos e ciumentos. Detestam vida social, namoradas, vizinhos, detestam cães, gatos. Os livros querem o seu reino absoluto sobre os metros quadrados todos disponíveis e mais alguns que se inventem. Os livros vão ficando em monte, em pilha, em coluna, vão sendo propriedade vertical, dominam tudo e tudo é seu domínio...

-"Céline (um dos modelos de Lobo Antunes) era um fulano intragável. Thomas Bernhard, o austríaco que escreveu "O Sobrinho de Wittgenstein era um energúmeno. Céline e Bernhard eram pessoas detestáveis; rancorosos, mesquinhos, intoleráveis..."

-"Victoria Becham confirmou que nunca leu nenhum livro. Nem um. Houve quem se escandalizasse com essa confisssão obscena. Não percebo porquê....."

-"Há um certo totalitarismo dos leitores face aos que não lêem que tem aspectos detestáveis. Os leitores tratam os outros como gentalha. E dizem sempre que quem não lê "não sabe o que perde".....Não há nenhuma razão para que os letrados se achem acima dos outros, e consideram o seu gosto como gosto universal...."  


Pedro Mexia, nasceu em Lisboa em 1972

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

IR AO CINEMA - II



Mais uma ida ao cinema; desta vez nem pipocas nem telemóveis, apenas dez espectadores (contando comigo) e um filme que se desenrola numa pequena cidade americana, na década de 1990, uma fita que me parecia ter todos os ingredientes para ser um bom filme mas que acabou por se revelar uma confusão e...uma chatice.

Veio-me à lembrança, como me acontece de vez em quando (principalmente se for o caso de não ter gostado do filme), nos tempos áureos da ida ao cinema, das ACTUALIDADES FRANCESAS quando, antes de começar o ansiado filme, uma voz forte e inconfundível, nos mostrava (a preto e branco) aqueles interessante comentários, por vezes electrizantes e que até nos traziam algum conhecimento; é que se ao menos ainda agora pudéssemos assistir a esses comentários não daríamos tudo como perdido, só que nos tempos que correm, antes do filme começar, levamos com publicidade consumista durante pelo menos uma dezena de infindáveis minutos e com o som tão alto, tão alto que dará certamente para ensurdecer qualquer ouvido humano (ou até animal).






domingo, 7 de fevereiro de 2016

LEITURAS 2016 - VI - "A HARPA DE ERVAS" - TRUMAN CAPOTE


Não sei se por influência do seu nome se da sua imagem sempre associei TRUMAN CAPOTE à Mafia, claro que injustamente (e sem qualquer ponta de verdade).

TRUMAN CAPOTE, que se descrevia a si próprio como um drogado, um alcoólico, um homossexual e um génio, faleceu em 1984, com 60 anos de idade e deixou-nos neste pequeno e excelente romance "A HARPA DE ERVAS" (uma edição do Círculo de Leitores, que comprei por 35 escudos em 29.10.1976), uma crónica de fundo sonhador, tudo aqui é irreal, tudo mergulha numa sonolência morna que o próprio ambiente desta pequena cidade do Sul dos EU favorece, através do calor que possuem as coisas, da população de hábitos antigos e gestos lentos, da sua gente de cor, do comércio provinciano e ambicioso, das suas ruas poeirentas, onde o asfalto queima durante o Verão.

Neste cenário quase irreal. movem-se, ou amam-se e odeiam-se, as personagens de um realismo que contrasta com o ambiente descrito. Envolve-as um clima de irresponsabilidade, e a força que muitas vezes usam é-lhes transmitida pelo próprio meio em que vivem. Assim, o cerne deste romance -a casa construída no cimo de uma árvore- é uma arma e um refúgio para Dolly, Catherine, Collin, três das várias e brilhantes personagens que neste livro me fizeram lembrar a escrita de Carson McCullers ou de Joyce Carol Oates.

Excelente este "A HARPA DE ERVAS" de TRUMAN CAPOTE.  


Truman Streckfus Persons, mais conhecido como Truman Capote - Nova Orleães-USA-1924-1984


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

LEITURAS 2016 - V - "A VIAGEM VERTICAL" - ENRIQUE VILA-MATAS


Enrique Vila-Matas tem uma escrita diferente; neste livro que agora acabei de ler lá estão, como quase sempre nos seus livros, os fantasmas da velhice, da loucura, do abandono, da solidão, do medo de estar só. 

Federico Mayol, um catalão com setenta e sete anos de idade, vê-se, um dia depois de celebrar as suas bodas de ouro, confrontado pela sua mulher, com estas palavras: Queria dizer-te o muito que me gostaria que te fosses embora, que te fosses embora desta casa para sempre e me deixasses só. Ele pensou que ela brincava, mas a sua mulher, que tanto medo tinha dele, não estava a brincar.
E assim inicia este catalão uma viagem sem regresso, uma odisseia que vai transformar um indivíduo que já não regressa a casa. Esta situação, seria, na vida real, certamente algo que transtornaria qualquer indivíduo que eventualmente pudesse sequer pensar que poderia vir a estar nas suas circunstâncias. 
Federico Mayol inicia esta viagem vertical na cidade do Porto, passa por Lisboa e termina no Funchal...

Devo salientar que, embora não seja propriamente o caso deste livro, uma das capacidades que mais gosto nos livros de Enrique Vila-Matas, (daqueles que tenho lido) é a sua capacidade de elaborar tramas em que os personagens são os personagens autores dos seus livros preferidos; por exemplo no livro "Dr. Pasavento", um dos personagens principais é o escritor austríaco Roberto Walser que viveu mais de um quarto de século em clínicas psiquiátricas e que, no Natal de 1956, quando, numa das suas solitárias caminhadas pela cidade de Herisau (Suiça) sofreu um violento ataque cardíaco tendo o seu corpo vindo a ser descoberto quando algumas crianças que caminhavam pela neve tropeçaram num corpo congelado.  

ENRIQUE VILA-MATAS será, na actualidade, um dos melhores autores espanhóis, a par de Javier Marias e de Javier Cercas.

"A VIAGEM VERTICAL" é um bom livro de um bom (e diferente) escritor (e jornalista) catalão.


Enrique Vila-Matas, nasceu em Barcelona em 1948