sexta-feira, 30 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XLI - PÓ, CINZA E RECORDAÇÕES - J. RENTES DE CARVALHO


J. RENTES DE CARVALHO é actualmente um dos grandes escritores portugueses vivos. É um excelente narrador -são límpidas e claras as suas descrições- !

Era para mim um total desconhecido até que há cerca de cinco anos o descobri com um livro excelente ("com os holandeses"), que nos descreve muito bem o que será o povo holandês (o positivo e o negativo). É um autor muito aplaudido lá fora mas, para o seu valor, ainda um desconhecido em Portugal.

Este "PÓ, CINZA E RECORDAÇÕES" foi escrito diariamente, sem falhas, entre Maio e 1999 e Maio 2000, e é o diário do milénio de um dos mais relevantes autores portugueses da actualidade. Factos, pensamentos, situações do dia a dia tão bem descritas que estão mesmo ali a acontecer à nossa frente. Fico com a ideia de que a Holanda, país onde viveu grande parte da sua vida e continua a viver já que vive alternadamente entre Amesterdão e Mogadouro, moldou um pouco o seu carácter pois parece-me um homem com paciência, um homem simples e verdadeiro sem manias nem tiques de vedeta e duma autenticidade admirável, talvez, contudo, já com alguma frieza holandesa entranhada em vez da alegre espontaneidade portuguesa.    

Gostei, como tenho gostado de todos os seus livros que li anteriormente. 

J. Rentes de Carvalho - Vila Nova de Gaia - 1930

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XL - "CONTA-CORRENTE" - nova série II - VERGÍLIO FERREIRA


Com o título de "CONTA-CORRENTE", foram nove os diários que Vergílio Ferreira escreveu entre 1980 (conta-corrente I) e 1994 (conta-corrente, nova série IV). 

Este, que acabei de ler, foi o sétimo e, como os anteriores, é excelente. Aborda o ano de 1993. 

Vergílio Ferreira é um belíssimo escritor. 

Seria talvez, ao que deduzo da leitura destes diários, um homem de um feitio especial, que pensava  que os seus livros não eram valorizados como o deveriam e que até se julgava algo injustiçado por tudo e por todos. 

Quando estou a ler um livro de Vergílio Ferreira tenho sempre um lápis à mão pois não resisto a sublinhar muitas das suas frases:

-a abundância é já um pouco a saciedade

-para o homem só o impossível é que é bastante

-o comer e o coçar vai do começar

-ter tudo é igual ao nada por não haver mais nada para ter


Vergílio Ferreira    -    Melo-Gouveia-Portugal  1916-1996

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXIX - "A BALADA DO CAFÉ TRISTE" - CARSON McCULLERS


Após ter lido o excelente "O coração é um caçador solitário" de CARSON McCULLERS, "A BALADA DO CAFÉ TRISTE", da mesma autora, foi o livrinho que se seguiu (apenas 75 páginas), e que me deu a conhecer um trio de personagens pouco convencional, numa pequena cidade do sul dos Estados Unidos, durante a grande Depressão, onde apenas existe uma fábrica, uma igreja, uma rua principal e algumas casas onde vivem alguns operários: 

-Miss Amelia Evans - a mulher mais rica da região, uma mulher absolutamente fascinante na sua estranha e rude personalidade, que preferia a solidão ao amor e que acabará por se afundar quando menos e da maneira que menos se espera; 

-Marvin Macy com quem Miss Amelia foi casada apenas durante dez (que não conseguiu alterar um milímetro da sua personalidade sombria), e que é o homem mais bem parecido mas com o carácter mais instável da povoação, um ser humano que tem o mal dentro de si, um homem repugnante que torna este livro tão arrebatador; 

-o anão corcunda que um dia chega à terra e se afirma primo de Miss Amelia e que num abrir e fechar de olhos lhe rouba o coração; outra grande personagem que nos está sempre a surpreender.


Excelente livro sobre a solidão e o medo que ela nos provoca, solidão que avança quando avançamos na idade. 

CARSON McCULLERS   EUA  -   1917-1967


domingo, 18 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXVIII - "O CORAÇÃO É UM CAÇADOR SOLITÁRIO" - CARSON McCULLERS


Quando apanho um livro destes é como se entrasse num outro mundo, numa outra época, numa outra vida. 

Este é um livro de sofrimento, um livro de solidão, um livro que me agarrou como se estivesse dentro daquela cidadezinha do sul profundo dos Estados Unidos, no final dos anos 30 e quando os os efeitos da Grande Depressão ainda se fazem sentir. 

E ali conheço John Singer um surdo que vê a sua vida transformar-se completamente quando o seu amigo, igualmente surdo, Spiros Antonopoulos, é internado num hospício que dista 300 e tal kms. da cidade onde viviam. John Singer é uma personagem marcante desta cidade pois todos o procuram para falar das suas inquietações, dos seus medos, frustrações, e a todos John Singer impressiona...

Gostei imenso deste livro. Personagens fantásticas cujas vivências nos proporcionam um retrato da América durante a Grande Depressão, da fome e da miséria, conflitos raciais e uma solidão profunda que se sente ao longo deste grande livro.  


Carson McCullers - EUA - 1917 - 1967

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXVII - "O NAUFRÁGIO DO TITANIC" - JOSEPH CONRAD


Quantas vezes, depois de ter visto o filme, eu coloquei a mim próprio as questões que Joseph Conrad aborda neste pequeno livrinho (68 páginas), relativamente ao afundamento do TITANIC (14 de Abril de 1912), como por exemplo o facto de um grande bloco de gelo ao roçar pela lateral do navio conseguiu afundá-lo em menos de trinta minutos, um navio que afinal, quando foi construído, foi considerado inafundável. E como é que um navio com mais de dois mil passageiros, não possui botes salva-vidas suficientes para os passageiros e tripulação que transportava.



É um livro que não nos dá respostas mas põe-nos a fazer perguntas, que é isso, afinal, que os livros nos deverão proporcionar, como disse recentemente um grande conhecedor e amante de livros (Alberto Manguel).

Este livro reúne artigos que Joseph Conrad escreveu sobre o naufrágio e que foram publicados nos meses a seguir à tragédia em "The English Review". 


Joseph Conrad - antigo marinheiro - Ucrania 1857 - 1924 Grã-Bretanha

sábado, 10 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXVI - "O PREGADOR" - ERSKINE CALDWELL

Erskine Caldwell - EUA - 1903 - 1987
Este excelente livro, autografado pelo autor, é uma 1ª. edição de 1959 (da Editora Portugália) que me foi emprestado por um amigo.É uma preciosidade!

A experiência humana que ERSKINE CALDWELL nos relata em "O PREGADOR" foi, em grande parte, acumulada nos seus anos de infância podendo até parecer que será uma espécie de auto-biografia.
O pai do futuro grande romancista era daquele tipo de pregadores errantes, sempre a peregrinar de terra em terra. O filho acompanhava-o e tão assiduamente que só aos catorze anos conseguiu vida sedentária que lhe permitisse aprender a ler.

E foi o seu espírito observador (apesar da sua tenra idade) que lhe permitiu mais tarde criar este espantoso pregador (Semon Dye), dividido entre entre os irresistíveis apelos da bebida, as fraquezas inadiáveis da carne, aquela ânsia de dinheiro que o leva a embolsar tudo quanto lhe passa ao alcance da mão. 

A obra de Caldwell é um panfleto contra a miséria e a degradação do homem do Sul, negro ou branco.

"O PREGADOR" é um livro que nos introduz numa outra América totalmente diferente dos manuais de turismo e dos encantos de vida das grandes metrópoles, uma América rural e rude que vale a pena conhecer através deste grande livro.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXV - "SÓ SE MORRE UMA VEZ" - RITA FERRO


Para alguma surpresa minha RITA FERRO não consegue esconder (certamente que nem será essa a sua intenção), ao longo das páginas deste diário as suas origens ligadas ao antigo regime e, sobretudo, às famílias que durante mais de quarenta anos dominaram Portugal. Revela-se até algo retrógrada e saudosista dum tempo que não deixou saudades à maioria do povo português. Obviamente que tal facto não impediu que eu tivesse gostado de a ler, porque se revela uma mulher transparente e humana e, sobretudo, não me parece nada calculista (qualidade que aprecio). 

"SÓ SE MORRE UMA VEZ" é um diário que nos revela situações absolutamente simplistas e, por vezes, demasiado fúteis; por isso se lê como se lê uma qualquer revista cor de rosa.

Com todo o respeito e sem qualquer intenção de demérito para a escritora Rita Ferro ou para os seus livros, não posso no entanto deixar de confessar que, com tanto livro bom que eu tenho para ler, não sei quando voltarei a ler um de Rita Ferro. 
Foi o primeiro, de qualquer modo, não sei, se terá sido o último.

Contudo, tento não perder às quartas-feiras na Antena Um, entre as vinte e três e as vinte e quatro horas, a sua conversa sobre livros no programa "a páginas tantas". 



sexta-feira, 2 de outubro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXIV - "AS LEIS DA FRONTEIRA" - JAVIER CERCAS


Na quase totalidade das minhas leituras é logo no começo de um livro (no máximo à página dez) que tenho a imediata sensação de estar perante um grande pastel ou a começar um grande livro; pois foi isto que precisamente me aconteceu - "AS LEIS DA FRONTEIRA", do espanhol JAVIER CERCAS, é um bom livro -.

Este romance conta a história de Ignácio Canas, alcunhado de GAFITAS, devido aos seus óculos, que nos seus primeiros anos de escola é gozado por todos, nomeadamente pelo seu algoz (Batista). De repente pensa que há-de mudar de vida e tentar pôr fim aos seus sofrimentos na escola e às constantes perseguições de que é alvo. E toda a sua vida muda quando se envolve com Zarco (um mito, tipo "Robin Hood") adolescente cabecilha de um gangue que o viria a recrutar...

Excelentes personagens e excelentes descrições do que são os outros.

Não deixei de anotar algumas das várias situações, que me pareceram interessantes, referidas ao longo do livro:

-"um advogado não pode ser bom se não for capaz de, de vez em quando, pôr de lado os escrúpulos morais." 

-"a arrogância esconde um sentimento de inferioridade"


Javier Cercas - escritor espanhol (n. 1962 em Cáceres)