segunda-feira, 28 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXIII - A CONFRARIA DO VINHO - JOHN FANTE


Foi há cerca de um mês que tinha lido quase num só dia "Pergunta ao Pó" de John Fante e por isso voltei a este notável autor americano, com o excelente "A CONFRARIA DO VINHO", um romance claramente autobiográfico, que é uma evocação e reconstrução da rude figura do pai, um italiano pobre, imigrado no Colorado, que assentava tijolos com brio de escultor e vivia entregue à bebedeira constante, às permanentes infidelidades à mulher e ao quase desprezo pelos filhos, o que muito marcou o escritor, para sempre.

Fante, à imagem de Knut Hamsun (escritor norueguês, Nobel da Literatura em 1920), que muito admirava, teve uma vida duríssima: passou fome, vagabundeou sem descanso, viveu em sórdidos moteis, envolveu-se com as mulheres erradas, trabalhou, entre muitas outras profissões exercidas, numa fábrica de conservas. Desta vida instável se reflectiu a sua vida literária, daí a sua produção ter sido tão escassa.  
John Fante - 1909 Denver, Colorado, EUA - 1983


John Fante tem uma escrita pura e dura. Personagens incríveis que nos abanam e nos obrigam a pensar, a principal função de um livro, na minha perspectiva.E todos os seus livros que já li até agora me agradaram.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

INFORMAÇÃO/CONHECIMENTO


No café/bar. A servir diariamente ao balcão (nas horas que o frequento) está uma rapariga (familiar do gerente) de dezanove/vinte anos, estudante (nas horas vagas)...

Na porta das casas de banho, a dos homens está identificada com uma moldura com uma foto de um famoso actor de cinema dos anos 40/50 (Gary Cooper) e na das mulheres a foto de uma das maiores actrizes de sempre, sex-symbol, dos anos 50, Marilyn Monroe. 

Pergunto à rapariga, que normalmente me atende, se sabe quem são os actores das fotos da porta do WC.

- Não sei
- Identifico-os e digo-lhe da sua importância à altura do seu apogeu
- Não sabia, nem nunca tinha ouvido falar nem dele nem dela, é que não fazia a mínima ideia (...nem mesmo aqui revelou curiosidade em saber).  


Marilyn Monroe - EUA 1926 - 1962 - actriz, cantora e modelo

Sinceramente que não fiquei escandalizado que os não conhecesse (nem tão pouco fiquei sequer admirado) mas o que mais me impressiona nas pessoas (seja jovem ou não) é a total falta de curiosidade, a falta de interesse de aprender, de saber, de conhecer e, no caso presente, ainda por cima uma foto que ela encara diariamente e a todo o instante. Como é possível que nunca tenha revelado a mínima curiosidade em saber quem são aquelas personagens com quem todos os dias coabita?

Gary Cooper -EUA 1901-1961 - actor de cinema -Óscar de melhor actor (2 vezes)

Absurdo, mas é mesmo assim, é um sinal dos tempos. E contraditório até, já que actualmente toda a gente tem acesso a um mundo quase infinito de informação, mas afinal o conhecimento da maioria das pessoas é nulo; absolutamente impressionante a ignorância que a todo o instante revelam, em todas as matérias, mesmo as que no dia a dia fazem parte do nosso mundo. 

Deste modo, mais informação não conduz necessariamente a mais conhecimento!     

terça-feira, 22 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXII - "A MANHÃ DO MUNDO" - PEDRO GUILHERME-MOREIRA


"Calcula-se que no dia 11 de Setembro de 2001, perto de 200 pessoas tenham saltado das torres gémeas. Um dos caídos, pelo menos, não era suicida -ou, se quisermos, não era um suicida óbvio- mas um homem que tentara descer do 90º. andar da Torre Norte. De fato e gravata, começou por agitar o casaco, pedindo ajuda, como se a urgência de ser socorrido não fosse evidente à vista de todos. Depois, com o auxílio de algo que parecia ser uma corda, ousou a descida. Ao fim de poucos segundos, o pé falha o parapeito, o homem desequilibra-se, cai no vazio. Aquilo que o fez julgar que seria capaz de descer de uma altura de centenas de metros com o auxílio de uma simples corda revela um desespero tão profundo como o daqueles que voluntariamente se lançaram do alto das Torres Gémeas. Nas filmagens, vemos braços a agitarem-se freneticamente ; e pessoas debruçadas às janelas, com quase todo o corpo do lado de fora. Quatro delas tentariam escalar o edifício, acabando por cair. Talvez para se encorajarem mutuamente, alguns saltaram aos pares e até em grupo, de mãos dadas. Houve quem tentasse utilizar pára-quedas improvisados, feitos de cortinas, toalhas de mesa ou peças de roupa entrelaçadas que se desfizeram em breves instantes de voo. Alguns, muito poucos, terão tropeçado e caído por acidente, enquanto caminhavam no interior do edifício entre escombros cortantes e densas nuvens de fumo negro. Outros terão sido projectados através das janelas em consequência de uma onda de calor superior a seiscentos ou mesmo mil graus centígrados."  (extraído da Revista Ler nº. 138). 



"A MANHÃ DO MUNDO" o livro de estreia do jovem escritor português PEDRO GUILHERME-MOREIRA é precisamente uma história sobre os que, no 11 de Setembro, saltaram das Torres Gémeas. Gostei, um bom romance sobre o medo e a coragem, o desespero e a lucidez, a culpa e a expiação.
É talvez um livro triste mas que nos permite pensar sobre a vida e sobre certas situações que criticamos sem saber concretamente dos factos que as geraram, como seja o facto de vilipendiar quem por desespero e pânico saltou das Torres Gémeas; como é possível alguém criticar semelhante acto em tais circunstâncias?


Pedro Guilherme-Moreira  -  1969 Porto

Este ("A MANHÃ DO MUNDO") é o segundo livro que leio sobre o 11 de Setembro um tema sobre o qual gostaria de saber mais do que efectivamente creio nos tem sido dado a conhecer. O outro livro que li sobre o tema ("102 Minutos"), foi escrito por dois jornalistas do "New York Times" (Jim Dwyer e Kevin Flynn) e é também excelente pois serve-se de uma enorme variedade de fontes -desde testemunhos directos a registos de telefonemas, e'mails, etc.-). 


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXXI - NÓS OS AFOGADOS - CARSTEN JENSEN


"NÓS, OS AFOGADOS" do dinamarquês CARSTEN JENSEN é um grande livro de aventuras e de personagens de toda a catadura. Narra a história da cidade portuária de Marstal, cujos habitantes se fizeram ao mar e navegaram pelo mundo inteiro a partir de meados do século XIX até ao final da Segunda Guerra Mundial. Por isso mesmo, no cemitério de Marstal quase só há mulheres e crianças porque durante séculos o mar não devolvia os seus mortos.

Aqui se contam as histórias de navios afundados e destruídos em guerras, de lugares de horror e violência que continuam a fascinar todas as gerações: aqui encontramos canibais, sonhos proféticos e sobrevivências miraculosas. O resultado é uma saga apaixonante, repleta de sabedoria e humor, de pais e filhos, das mulheres que eles amam e deixam para trás e da promessa assassina dos mares.  

Excelente livro cuja história se estende por quatro gerações, atravessando duas guerras mundiais e um século de história.

Também nele se fala de Portugal, quando um navio visitou Setúbal (logo a seguir à monarquia (1910)), eis a impressão dos marinheiros dinamarqueses sobre o nosso país:"Há sempre confusão por aqui. Eles criam algum caos e abatem-se uns aos outros. Dizem que querem mudança mas na próxima vez que se voltar cá, está tudo como sempre foi. É assim que eles são. Não dominam o seu temperamento e nunca fazem nada."

794 páginas cheias de acção, de conhecimento dos mares (e não só) que valeu a pena. Mais uma excelente descoberta.


   Carsten Jensen é um escritor dinamarquês nascido em 1952. Com este livro venceu em 2007
o mais importante dos prémios literários da Dinamarca.




segunda-feira, 14 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXX - "PERGUNTA AO PÓ" - JOHN FANTE


Mais um livro surpreendente da saga Bandini, uma personagem fascinante e duma dimensão por vezes odiosa e repelente, por vezes absolutamente verdadeira e adorável, que John Fante iniciou com o excelente "A PRIMAVERA HÁ-DE CHEGAR", continuando com o empolgante "ESTRADA PARA LOS ANGELES" e ainda com "OS SONHOS DE BUNKER HILL" (o único que ainda não li e por isso não o poderei cognominar) .

Este "PERGUNTA AO PÓ" de JOHN FANTE é a história de Arturo Bandini, um jovem aspirante a escritor recém-chegado à Los Angeles dos anos 30. Lutando pela dura sobrevivência diária enquanto sonha com o sucesso literário, Bandini vai-se deixando fascinar pelo sórdido da cidade até se envolver com a esquiva e temperamental Camila Lopez, uma empregada de bar mexicana. A paixão que a um tempo o arrebata transforma-se, pouco a pouco, numa destrutiva relação de amor-ódio que vai conduzir a um trágico desenlace.

"Pergunta ao Pó" é uma obra marcante de um mestre da ficção americana do séc. XX e foi adaptado ao cinema por Robert Towne que o classificou como o melhor romance alguma vez escrito sobre Los Angeles.    

John Fante - a loucura genial gerou um grande escritor!
EUA 1909 -1983 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

SALTARAM DAS TORRES GÉMEAS - (A BELA SUICIDA)


Calcula-se que no dia 11 de Setembro de 2001, perto de 200 pessoas tenham saltado das Torres Gémeas.

Precedendo os que saltaram no 11 de Setembro de 2001, Evelyn McHale de 23 anos, lançou-se, na manhã do dia 1 de Maio de 1947, do 86º. andar do Empire State Building de Nova York, depois de discutir com o seu namorado. Deram-lhe o nome da "Bela Suicida"

Um jovem estudante de fotografia que circulava no outro lado da rua, captou a imagem da rapariga jazendo sobre o tecto da limusina (Cadillac) de um mandatário das Nações Unidas. O motorista, que tinha ido a uma farmácia ali perto, escapou do impacto.

A polícia encontrou  dentro do casaco cinzento da bela mulher, um livro de bolso, alguns dólares e uma bolsa de maquilhagem com várias fotos de familiares e uma nota manuscrita que dizia: -"Ele está muito melhor sem mim...eu não seria uma boa esposa para ninguém".



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXIX - "conta-corrente" nova série I

  Vergílio Ferreira nasceu em Melo (Gouveia) em 28 de Janeiro de 1916
e morre a 1 de Março de 1996, estando sepultado em Melo. 
"conta-corrente" é um diário excelente, distribuído em nove volumes, que inicialmente deveria ter apenas cinco, mas que Vergílio Ferreira entendeu prolongar, com a publicação numa nova série, de mais quatro, totalizando assim esta escrita diarística: nove volumes.
Todavia, a este propósito escreve, neste volume I desta nova série, o próprio autor: "É absolutamente necessário deixar aqui expresso para mim mesmo que isto não é a continuação de "conta-corrente". O diário acaba no volume V. O que aqui vão são escorralhas do acontecer diário, pois que as "reflexões" vão no outro livro que escrevo também paralelamente a este e ao romance..."

Já os tinha lido todos há cerca de três anos mas resolvi relê-los e este que acabei de (re)ler nas férias é o primeiro da nova série (de quatro volumes). E como todos os anteriores é um retrato excelente de anos passados ainda muito próximos, este volume I desta nova série aborda o ano de 1989. Vale a pena ler pois ajuda-nos a perceber um rico pedaço da nossa história recente. obviamente que pela perspectiva do autor. 

Curioso como se esquece rapidamente um livro e daí me ter voltado a deliciar com esta escrita como se estivesse a ler o livro pela primeira vez. Escusado será acrescentar que gostei pois sou um apreciador desta escrita diarística deste grande escritor português. 

Por exemplo sobre quem lê e quem não lê escreve o autor a dado passo:
   -  Detesto absolutamente os livros deste tipo.
   -  Quais leu?
   -  Essa tem graça. Como queria você que eu os lesse, se os detesto? 

Com a mulher (Regina) e o filho (Gilo), em 1970


sábado, 5 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXVIII - "BILLY BUD" - HERMAN MELVILLE


Este pequeno livro (de cento e poucas páginas) é admirável!
Foi-me recomendado por um amigo com gostos de leitura semelhantes aos meus.

Relata-nos a vida de um jovem (Billy Bud) que é recrutado para a Marinha de Guerra e que no navio em que é incorporado vai lidar com os mais variados tipos de homens. Ele, que é um jovem bom e inocente, sem qualquer maldade, vai ser confrontado com todas as maldades, ódios e inveja de alguns homens que com ele convivem diariamente e que o vão trair e o irão conduzir à forca. -Quantas vezes um de nós não confiou cegamente numa pessoa e por ela fomos traídos e enganados?-

Billy, como outras pessoas que são essencialmente boas, tinha algumas fraquezas inerentes a esta bondade. Entre elas, a relutância, quase a incapacidade de dizer peremptoriamente não a qualquer proposta abrupta desde que esta não fosse obviamente absurda, desleal ou injusta.

"Billy Bud" "agarrou-me" da primeira à última página, é uma pequena pérola.

Herman Melville 1819-1891
Um grande escritor, nascido em Nova Iorque, que praticamente só depois de morto viu reconhecido o seu génio 


terça-feira, 1 de setembro de 2015

LEITURAS 2015 - XXVII - PATERNIDADE - DOMINGOS MONTEIRO




Curiosamente será nas férias que os leitores que lêem muito, aqueles que normalmente lêem em média um livro por semana, é nesta altura que efectivamente menos costumam ler; não sei qual será o fenómeno mas comigo sempre assim aconteceu.

Ora cá estamos então em Setembro e a todos desejo bom regresso e boas leituras.  

Voltamos e voltamos para falar do tema que aqui será certamente o mais abordado: livros.

Muito velhinho e muito amarelado do sol que parece ter apanhado, este "PATERNIDADE" de Domingos Monteiro (1903-1980), é o nº. 14 da excelente colecção de livros (miniatura) ANTOLOGIA DOS AMIGOS DO LIVRO, da Editorial Inquérito; comprei-o há uns anos (€ 1) num Alfarrabista em Lisboa, e foi escrito por volta de 1950.

Quando (no livro de leituras que possuo para ir anotando e tomando notas sobre os livros que vou lendo) quis pontuar este livro fiquei algo indeciso pois é um livro de uma outra época, com uma história algo ingénua e que parece absolutamente desfasada dos tempos que correm, não deixando no entanto, na minha perspectiva, de estar bem escrito.

Começa assim: "Eu conhecia há muito tempo o Dr. Silveira. Pequenino, magro, comunicativo, rira-me muitas vezes com as anedotas que ele contava ao seu numeroso grupo de amigos, na mesa ao lado do café que ambos frequentávamos..."

Contado na primeira pessoa (pelo seu amigo Antunes) narra a história de um filho nascido de um romance que o Dr. Silveira manteve com uma inglesa (Kitty), quando estudava em Coimbra, e que o Dr. Silveira não quis perfilhar. Assim, Kitty, magoada e desiludida, parte para Inglaterra levando consigo o filho de ambos -John-.

Entretanto, em Lisboa o Dr. Silveira dá um rumo à sua vida e casa com Lucília. E quando passam dez anos resolve ir à procura do filho rumando a Inglaterra para tentar localizá-lo. E aqui começa um grande imbróglio...

Não deixa de ser um livro interessante; apreciei o modo simples e directo do narrador, descrevendo muito bem a emoção de gente simples mas, ao mesmo tempo, a emoção dum ser de excepção como é o personagem principal deste livro (o Dr. Silveira).

Contudo, nota-se perfeitamente que será já uma literatura doutra época, não só porque após a sua primeira publicação já passaram mais de 60 anos, mas também pelo ambiente em que a acção decorre. Mas não deixa de ser, repito, um livro bem escrito de um escritor que desconhecia.

DOMINGOS MONTEIRO   advogado e escritor; Trás-os-Montes 1903-1980