quinta-feira, 5 de maio de 2011

LUÍS AMARO - VELHO DIÁRIO DE INFÂNCIA

Já aqui tive ocasião de prestar a minha homenagem ao meu amigo e poeta Luís Amaro, que completa hoje mais um aniversário.


Luís Amaro - um homem que toda a vida fez bem mais pelos livros dos outros do que pelo seu desejo de escrever. Sempre foi de uma dedicação e entrega às obras dos outros, essa entrega e reconhecimento está guardada para sempre nos arquivos da Biblioteca Nacional onde em dezenas de caixas foi sendo entregue ao longo dos anos todo o acervo epistolar de Luís Amaro com Ruy Belo, Jorge de Sena, Régio, Gaspar Simões, Vergílio Ferreira, Sebastião da Gama e tantos outros, e imensos originais importantíssimos para conhecer melhor a obras de muitos dos nossos escritores e artistas.







Natural de Aljustrel, veio muito cedo para Lisboa e são dessa época estes seus versos, então publicados na revista SEARA NOVA, quando tinha apenas 20 anos; muitos entretanto passaram...

Não lhe pedi autorização para aqui os publicar mas sei que ele não me vai levar a mal apesar de ser um homem nada dado a este tipo de homenagens. A sua postura sempre foi a de passar despercebido, sempre a servir os outros e nada pedindo para si. É um amigo de sempre, para sempre!


VELHO DIÁRIO DE INFÂNCIA

I

Quando cheguei
Parecia-me ir morrer…
Atrás de mim uma sombra,
Um pesadelo e um grito,
Diante de mim – o incerto…

E só! E sem conhecer ninguém!
O comboio trouxera-me num domingo chuvoso
E triste (mesmo que o não fosse, era-o em mim)

Ia começar mais uma aventura.

Naquela cidadezinha,
Tão diferente da que deixara
-Melancólica e sombria, tumular –
Vivi horas boas e horas más,
Horas mais negras do que claras,
Porque mesmo das que eram aparentemente boas
Eu desconfiava, não as acreditando.

Mas, à medida que o tempo rolava,
Até essa falsa aparência se esvaía.
E, por fim,
Já não tinha uma ilusão para pôr no olhar,

-Com tantas horas negras eu já não podia!

Agora conhecia muita gente,
Mas, quanto mais gente conhecia,
Maior era a minha ânsia de evasão:
Por isso me encerrava no quarto
Aguardando a vinda dum sonho

….E esquecia!




II

Mas a companhia de mim
Já me pesava também,

E, então,
Na maré da minha dor,
Feita de cansaço e febre,
Minha doentia imaginação
Voejava…

Espectros antigos vieram
À chamada
Dos meus sentidos doentes.

E perdi-me de mim mesmo
No atalho
Tristíssimo, duma complexa neurastenia,

Domingos de sol claro
-O mais vibrante sol que inda vira!
Lá fora o sol e a volúpia
De vivê-lo e amá-lo…

E a noite em mim, sempre a noite.

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