Arnaldo de Benavente Ferreira, o pintor da noite (1923-2000) |
Num certo dia, em que, em vez do habitual bouquet de flores que costumava levar consigo, vejo-o, junto à Estação do Rossio, com um busto em madeira do poeta, romancista e historiador Alexandre Herculano, a dirigir-se às pessoas que por ali passavam e colocava-lhes o busto à frente da cara perguntando-lhes em voz alta mas nem sempre bem audível: -não sabes quem é pois não? ignorantes, canalhas, claro que não sabem nada, mas se fosse o Eusébio sabiam de certeza absoluta, cambada de ignorantes; e assim, clamando impropérios, seguia em passo apressado. Conservo perfeitamente na memória a imagem daquele homem alto, falando tão alto e tão ameaçadoramente que por vezes chegava a assustar quem, calma e distraidamente, seguia no seu caminho.
Nunca mais esqueci aquele personagem gigante, embora não tivesse certamente mais de 1,75. Era o Arnaldo, sempre impecavelmente vestido de negro, sapatos de verniz reluzentes, cabelo bem penteado para trás com brilhantina e a quem chamavam o pintor da noite, ou o sempre noivo. Dizia-se que teria enlouquecido quando a sua noiva morreu uns dias antes do casamento (também corria a história de que a noiva não teria aparecido no dia da boda).
As suas deambulações pela baixa de Lisboa fazia-as durante o dia já que à noite ficava sempre em casa a pintar - pintava na sua maioria os bairros e as zonas mais características da Lisboa nocturna, sem vivalma.
Sei que o Museu da Cidade tem quadros seus e que, em 2005, foi homenageado pela Câmara Municipal de Lisboa com a Medalha de Mérito Municipal.
Na alta de Lisboa existe uma rua com o seu nome.
A última vez que o vi foi num eléctrico, quando este "amarelo" ainda circulava na Baixa de Lisboa.
Incrivel. Eu nem sabia que alguém se lembrava desta personagem típica da noite lisboeta dos anos 50/60.
ResponderEliminarConheci bem o senhor Arnaldo que via regularmente quando ele em média uma vez por semana, vinha tomar a sua bica a meio da tarde, no então chique café Smarta, no Conde Redondo.
Uma das muitas vezes em que o Sr. Arnaldo estava mais perturbado nos seus devaneios, ele entrou na parte mais reservada da Smarta, bem engalanado no seu fraque de luxo e sentou-se, sem sequer olhar para alguém. Todos os empregados o conheciam, mas tratavam-no com toda a reverência sem a mínima alusão ao seu aspeto fora do comum. Ele não ligava absolutamente nada a quem estava. Mas era impossível desviar o olhar daquele homem relativamente alto, bem parecido, bem vestido e calçado, exibindo sempre um magnífico cravo branco na lapela do seu fraque.
Mas, naquela tarde, umas senhoras chiques também elas bem vestidas e exalando bom nível social, tiveram a infelicidade de olhar o Sr. Arnaldo de face, intrigadas com o luxuoso aparato da sua vestimenta.
Azar o delas. O Sr. Arnaldo apercebeu-se de que era alvo de olhares indiscretos e... dispara em grandes gritos da sua potente voz profunda:
__Estão a olhar para onde, suas grandes p...., suas broch.....? Nunca viram um homem bonito e bem vestido como eu?
Enquanto os empregados corriam a acalmar as senhoras explicando o porquê daquele alarido, o Sr. Arnaldo levantava-se, dobrava o seu jornal, pagava o seu chá ou café e dignamente tal como tinha entrado, saía sem olhar para ninguém e sem proferir uma palavra.
Devo acrescentar, que o que constava na época, é que o "Pintor da noite" como era bastante conhecido, tinha ficado assim com frequentes ataques de alteração de personalidade, depois de no próprio dia em que se ia casar, ter recebido a notícia de que a sua noiva tinha falecido enquanto ele e os convidados esperavam por ela em frente da igreja. Daí, o fraque e o cravo ao peito.
Verdade ou falso, o facto é que o "Senhor Arnaldo" era mesmo uma personagem insólita daquela Lisboa que hoje, apenas existe na quimera e na saudade daqueles que como eu, tiveram a sorte de a conhecer!
José Henriques
Alfeizerão
Lembro-me perfeitamente desta personagem. Cruzei-me com ele por diversas vezes no Rossio, Restauradores ou Rua Garrett, sempre com no seu andar apressado, vestido ou não de fraque com a flor branca na lapela, e falando alto ou interpelando os transeuntes, de modo alterado. Havia nele nítidas alterações de transtorno de personalidade. Umas pessoas estranhavam, outras conheciam a sua história!
ResponderEliminarConheci o bem e tenho um quadro dele; nos dias calmos era uma pessoa agradável; era a Lisboa que nos faz saudade.
ResponderEliminarTenho uma extensa entrevista, em gravador de cassete que lhe fiz ao mesmo tempo que o acompanhava, pois nunca chegou a parar - Tenciono editá-la num destes dias - Talvez a única que deu em sua vida
ResponderEliminarFinais de 1960 falei varias vezes com o GRANDE cavalheiro e pintor no bairro da GRAÇA. Sua irreverencia e lucidez eram impares . Obrigado Ferreira .
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