terça-feira, 22 de março de 2011

POR ONDE ANDEI EM 2010 - VIII

O ano de 2010 já se alongava e, tal como na crónica anterior sobre estas minhas viagens pelos livros que li no ano passado, foi no mês de Agosto que recuei à idade média e com Thomas Mann e conheci a lenda do santo que, nascido do pecado do incesto, chega a Papa depois de anos de penitência. A lenda de Gregório faz a alegoria dessa contradição ao narrar uma epopéia inteiramente fundada no incesto.
O rei e a rainha de Flandres tentam há anos produzir um herdeiro, inutilmente. Fazem suas preces. Finalmente a rainha dá à luz um casal de gêmeos, mas não sobrevive ao parto. "Nós nascemos da morte", dirá o irmão à irmã, anos mais tarde, ao seduzi-la.Os gêmeos crescem e, com a morte do pai (que por sua vez já nutria sentimentos incestuosos em relação à filha), não resistem mais ao desejo que sentem um pelo outro.
A irmã fica grávida do irmão e dá à luz um menino.
O irmão, ao mesmo tempo pai e tio da criança , sai pelo mundo em busca de penitência e morre. A criança é jogada ao mar num barril, acaba sendo salva por pescadores e é criada por um abade numa ilha remota.
Aos dezessete anos, ao descobrir sua verdadeira origem, o rapaz, agora chamado Gregório, sai à procura dos pais, com a idéia fixa de poder perdoá-los para também encontrar a salvação. .........

Recuo mais uns anos, ao princípio do séc. XX. e vou "aterrar" numa pequena localidade dos EUA, WINESBURG, OHIO e com SHERWOOD ANDERSON (na foto) fico a conhecer Winesburg, Ohio, um vivo retrato de uma pequena povoação da América profunda, aonde Sherwood me apresenta o jovem George Willard, um repórter do jornal local a quem os habitantes da povoação confidenciam as suas esperanças, sonhos e medos e fico a conhecer a vida íntima de figuras estranhas e comoventes marcadas pelo desassossego e pela solidão.
Viver nesta localidade é como olhar os quadros de Edward Munch que são autênticos retratos da classe média norueguesa na viragem do século IXX/XX; fixem bem O GRITO (na foto) e o que ele esconde -a pressão ou torsão psicológica sob a aparência social. Este quadro é verdadeiramente assombroso. Ainda não não há muito tempo andou desaparecido, roubado em Agosto de 2004 do Museu Munch, em Oslo, mas já recuperado.


Viajo depois até à Finlândia e, de novo, com ARTO PASSILINNA fico a conhecer AS DEZ MULHERES DO INDUSTRIAL RAUNO RAMEKORPI, das quais não retenho mais do que as suas solitárias vidas neste misterioso e nebuloso país.

Ainda com o calor de Agosto, às portas de Setembro, é com RICHARD ADAMS que passo tardes inteiras a ouvir a sua história ERA UMA VEZ EM WATERSHIP DOWN - história de um bando de coelhos que escapam à destruição da sua comunidade, e das tribulações e triunfos que viveram face a extraordinárias adversidades ao aventurarem-se em busca de um novo lar.


Entra Setembro e FERNANDA PRATAS relata-me A VIDA DAS PALAVRAS e curiosamente, muitas das personagens que me são apresentadas morreram do coração. Atravessaram guerras, abraçaram ideais, revoltaram-se, participaram, desiludiram-se. De uma forma ou de outra, os seus percursos atormentados aproximaram-nas do essencial. Pude segui-los linha a linha nos livros e documentos que deixaram. Por exemplo, Patricia Highsmith associava a escrita ao prazer, que incluía também cigarros, café, bolinhos. Charles Dickens estabeleceu para si uma disciplina rígida, separando as intensas horas a escrever dos momentos de lazer com que tentava apaziguar demónios interiores. Alberto Moravia começou por escrever na cama, com o tinteiro aninhado sobre os lençóis. Sommerset Maugham trabalhava de preferência diante de uma parede branca. Marina Tsvetaeva escrevia a qualquer mesa, em qualquer lugar. Tal como John Steinbeck, que chegava a trabalhar dez horas por dia numa escrivaninha qualquer. Isaac Asimov matraqueava as teclas da sua máquina de escrever a uma velocidade imbatível, desde madrugada até à noitinha. Fiódor Dostoiévski até numa prisão na Sibéria tomou notas que depois converteu em romance. E Oscar Wilde escreveu também na prisão, entre trabalhos forçados.

Setembro está quase no fim, as chuvas estão a chegar, é tempo de demandar outras paragens e percorrer meio mundo e viver as aventuras de um Indiana Jones português, conduzidos pelo médico Adolfo Correia Rocha (não é este o nome com que assina os seus livros e pelo qual se tornou um autor de grande dimensão na literatura portuguesa já que o nome que adoptou é presudónimo, facto que, se calhar, muitos dos seus leitores desconhecerão) .

Até breve

2 comentários:

  1. É importante o que dás a conhecer, mantendo sempre uma valorização importante, nos Temas, que vais apresentando.
    Parabéns.
    W

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  2. Obrigado amigo VV.

    Livros é um tema que gosto e que, por isso, abordo aqui com mais frequência. Obviamente que não será do agrado de todos.

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